terça-feira, 3 de junho de 2008

Noite do Bolero

NOITE DO BOLERO

O dia amanheceu claro e azul como algodão-doce de quermesse, Luís Américo se levantou às seis e meia da manhã, deixando Stella deitada a dormir enrolada na colcha de retalhos feita por ela mesma para cobrir a cama de cerejeira do casal.
Eles eram um casal de classe média há muito casados, quase quarenta anos. Seus dois filhos, Robson e Rodolfo já eram homens com família formada e tinham suas vidas em outros lugares, um era advogado em Brasília e o outro, estivador em Santos. Stella era costureira e tinha fama de ser a melhor do bairro, fazia isso há quase quarenta anos, mas já estava na hora de descansar um pouco, suas costas reclamavam os 59 anos de idade muito bem vividos.
Luís era sócio do escritório de advocacia onde trabalhava e também já estava pensando em parar e aproveitar um pouco mais a vida ao lado de sua esposa, realizar seus sonhos, levar Stella para fazer o caminho de Santiago, fazer tudo que queriam e nunca tinham feito.
Naquela manhã de sexta, Luís despertou animado, aquele seria um dia especial para ele e Stella, havia comprado dois lugares para a noite do bolero, baile que acontecia há 45 anos e onde o casal se conheceu.
Após uma revigorante ducha matinal, ele foi à cozinha, fez café, vestiu um terno qualquer do armário e já se preparava para sair do quarto quando viu que Stella se mexia querendo acordar, encheu uma xícara de café para a esposa e se sentou na beirada da cama para assisti-la despertar.
- Bom dia Luís... – disse Stella meio sonolenta – Nossa, que horas são? Me atrasei para fazer o seu café. Você deve estar faminto. – Completou a senhora tentando se levantar da cama.
- Não se preocupe meu bem. Tome o seu café. Até mais tarde. – disse o esposo para depois dar um beijo rápido na mulher e sair com um belo sorriso no rosto.
Nada seria capaz de destruir o dia de Luís, nunca mais haviam ido à Noite do Bolero desde a noite em que se conheceram e se amaram à primeira vista. Aquela seria a surpresa de que tanto falava para Stella.
Entrou no carro e em um gesto automático levou a mão no porta luvas e tirou de lá uma fita antiga e empoeirada, que colocou no toca fitas sem olhar.

“Quero beijar-te as mãos, minha querida. Senta bem junto a mim, vem, por favor. És o maior enlevo da minha vida, és o reflorir do meu amor...”

Aquela música o pegou de surpresa, era Anísio Silva cantando a mesma música de 42 anos, a mesma música que dançou com Stella na Noite do Bolero, "Quero Beijar-te as Mãos". Ele atravessou a cidade para mais aquele dia de labuta pensando no que Stella acharia de tudo aquilo, se ela iria gostar do vestido e das flores que ele tinha mandado entregar e nem percebeu quando a lua já dominava o céu e ele parava o seu Fiat Uno na garagem.
Ao ver Luís sair àquela manhã, Stella sabia que havia algo diferente no marido, ele tinha brilho nos olhos como na juventude. Ela se levantou, tirou seu pijama, penteou os cabelos castanhos, arrumou a cama e foi ver a sujeira que o marido aprontara na cozinha com a brincadeira de fazer café.
Tudo estava completamente limpo, então ela foi para a sala de costura, um pequeno quarto com duas máquinas, um manequim, uma mesa coberta de tecidos e em um canto escondido, uma vitrola muito antiga sobre uma pilha de lps.
Aquela vitrola estava ali esquecida por quase um ano e Stella resolveu ver se ela ainda funcionava. Ao abrir sua tampa, constatou que ela já estava com um disco dentro, moveu a agulha e uma voz masculina vacilante encheu o lugar cantando:

“Quero beijar-te as mãos, minha querida. Senta bem junto a mim, vem, por favor. És o maior enlevo da minha vida, és o reflorir do meu amor...”

Era Anísio Silva cantando a música que foi o plano de fundo do encontro dela com Luís Américo na Noite do Bolero. Stella ficou naquele quarto por horas e quase não ouviu a campainha tocar ao fim da tarde.
- A dona Stella, por favor. – disse um rapaz com um buquê de rosas em uma mão e um bonito embrulho na outra, que entregou ambos para a bela mulher de cabelos castanhos e óculos que se apresentou como Stella. – Isso é para a senhora. Tenha uma boa tarde. – e saiu deixando-a parada à porta olhando para os presentes e procurando um inexistente cartão.
Por fim, colocou as rosas em um vaso sobre a mesa de jantar e foi abrir a caixa do embrulho que havia ficado sobre o sofá. Desfez os laços e removeu as fitas com cuidado para conservar a bonita caixa e teve seus olhos cheios de lágrimas ao retirar um vestido pérola semelhante ao que ela usou no dia 1 de Junho de 1959, 42 anos atrás.
Stella passou o fim daquele dia admirando o presente que sabia ter vindo do marido e se preparando para aquela noite especial.
Ao dar sete horas em ponto, ela já estava pronta a espera do marido, cabelo arrumado, maquiagem feita, cheirosa e ansiosa para o que a esperava aquela noite.
No horário habitual, 7 horas, Luís Américo chegou e foi logo abraçado pela esposa que o deu um beijo.
- Luís, mais de 40 anos juntos e você ainda vive me surpreendendo. - disse Stella largando-o.
- Você não viu nada, isso foi só o começo. Me aguarde dez minutos que temos um jantar dançante para irmos. - e entrou para o banheiro com um terno coberto no cabide.
Pouco tempo depois, Luís saiu do Banheiro já arrumado e deu um abraço por trás na esposa que se virou e viu um Luís Américo parecido com aquele por quem ela se apaixonou com 17 anos. Ele estava dentro de um terno branco impecável.
Os dois saíram como se fossem os mesmos de 1959, Luís estava ansioso e Stella estava excitada. O carro rodava pelas ruas da cidade à procura do salão do baile.
Luís havia apenas mandado colocar os nomes dos dois na porta, pois era muito esquecido e não queria carregar ingressos, mas não se lembrou de confirmar o endereço do local do baile e acabou parando em frente ao Boulevard, antigo clube. O mesmo da antiga noite do bolero. Os arredores estavam vazios e não havia muitos carros parados na rua, mas as luzes do salão do clube estavam acesas, então os dois saíram do carro e caminharam até a porta.
Tudo que “viam” tinha um ar meio ilusório, o lugar estava à meia luz, vários casais jovens estavam sentados conversando, as mãos se entrelaçando sobre as mesas espalhadas pelo salão, cobertas por lindas toalhas de linho branco. O espaço em frente ao palco estava vazio e a banda começaria a tocar naquele momento.

“Quero beijar-te as mãos, minha querida. Senta bem junto a mim, vem, por favor. És o maior enlevo da minha vida, és o reflorir do meu amor...”

E aquela música, a mesma de muitos anos atrás os embalava novamente, abraçados, de olhos fechados, no ritmo do bolero.
Dentro do salão estavam quatro homens montando uma estrutura de metal repleta de luzes, apressados e sem conversar, eles faziam o trabalho mecanicamente e pouco se assustaram com o casal abraçado, com os olhos fechados e dançando ao som de música nenhuma, no fundo do salão se lia em um painel, “Meus 15 anos. Jéssica”.

5 comentários:

Amo muito tudo isso disse...

PERFEIITTOOOO... nossa my boy... dorei mesmo... parabenss... ainn.. *orgulhosa* te dolo my boy:d
beijoss

Anônimo disse...

Olha esse gabeh...

mandou bem ploco!

=]

Tah gostando de fazer contos, né?
^^

bjossss

Anônimo disse...

hhahhaahhaa luizituuu
lindo
viiu? a prosa é fantástica
=p Jéssica ahhaahha
mas é bunitinho...
msmo eu "incomovível" me comoveu um poukinho...xD

Anônimo disse...

Parabens gabeh!!!
muito bom!!!
o personagem tinha q chamar luis ne???
mera conicidencia!! nada d+!!
hehehehe
abraçao cara!!

Mariana Mendes . disse...

Uau! Que lindo! PER-FEI-TO!!
Mas será que poderia existir?
Você escreve muito ow!

Ah, pode apaixonar. Quem sabe assim a gente não resolve nossos conflitos existenciais? hauhauahua
;)

Bjoo