sexta-feira, 20 de novembro de 2009

[Fábrica de Letras] Preto no Branco: Parecer de um negro sobre o mito do racismo

Negra liberdade

Preta, pretinha, sai da bainha da nega fulo.
Dança sua dança, vira criança baiana nagô.
Caia na roda, a saia embola, o dia chegou,
Negra liberdade, festa na cidade, aqueça o bongô.

Luiz Américo


Preto no Branco:
Parecer de um negro sobre o mito do racismo


   Para quem não me conhece, antes de qualquer coisa, irei me apresentar brevemente, de forma relevante para tal parecer: Me chamo Luiz Carlos, tenho 19 anos, sou negro, estudante de Direito, classe média e vítima do racismo.

   Apresentar-me como vítima de racismo não é uma estratégia de convencimento emocional, daquelas bem baratas utilizadas em alguns textos dessa temática. Não pretendo despertar sentimentos em ninguém com tal texto, e também não ensejo justificar tudo aquilo que será dito ainda com tal status alcançado por mim, o de negro e vítima de racismo, apenas pretendo mostrar que já vivi aquilo que irei dizer.

   O racismo tem sido mitificado ao longo das décadas, colocando-se para as crianças que o preconceito racial é algo claro, perceptível, desvelado, ultrajante. E quando o tempo vai passando e elas, na maioria das vezes, não se deparam com tal situação de desvelo, passam a acreditar que o racismo é realmente um mito, e que não existe na nossa sociedade, enquanto vão sofrendo discriminação velada sem nem se darem conta da situação.

   E quando surge um projeto que afirma que ainda existe racismo escondido nas nossas estruturas sociais e precisa ser combatido com projetos de inclusão. A reação das pessoas criadas nesse mito é ver isso como uma forma de reviver o preconceito racial que para eles estava morto. E deixa de ser um projeto de inclusão para se transformar em um projeto de exclusão.

   A comemoração do dia da consciência negra é por muitos considerada manifestação racista, pois atenta para a conscientização da diferença, criando-se um feriado para que o negro se conscientize, enquanto não existe um dia para que o branco se conscientize da sua posição na sociedade. Em relação ao dia do índio ninguém nunca se pronunciou, mas quando o negro se insere na situação o mito do racismo entra em cena e distorce a sua finalidade. Não existe um dia da consciência branca porque o branco não possui o mesmo status social que o negro possui, nem possui a mesma herança histórica de dominação que o negro possui, apesar de estar aparecendo uma espécie de contra-racismo, mas esse é tema para outro momento.

   O sistema de cotas raciais é por muitos visto como racista e discriminatório, pois trata os estudantes com parâmetros diferentes para o ingresso, e acaba por destacar os alunos aprovados por cotas raciais, gerando divisão nas salas de aula. As cotas abrem uma porta para que aflore o racismo nas salas de aula, mas há a necessidade de nos confrontarmos com a realidade do nosso país, um país multi-étnico, com desigualdades sociais, e só assim esse panorama poderá ser mudado. Isso gera espanto, numa sala que antes possuía 50 brancos de classe média e alta passa a ter negros, pobres, índios e deficientes físicos. Isso é inclusão, isso é isonomia, isso é igualdade de oportunidades. Igualdade não é fornecer tratamento dentário gratuito para pessoas de baixa renda, mas quando se passa a existir dentistas que vieram de uma família de baixa renda.

   É necessário admitir que o racismo existe, na maioria das vezes, não da forma como nos é pregado, mas de forma arraigada na sociedade. Que pela sua mitificação, transforma projetos de inclusão racial em projetos multiplicadores do racismo. E também é preciso que essa idéia do racismo descarado seja desfeita, para que as pessoas deixem de ser alienadas quanto ao racismo velado, que povoa as frases, as piadas, os filmes, as novelas, os estereótipos e é encarado como algo normal e puramente social.

7 comentários:

Brown Eyes disse...

O racismo existe e existirá enquanto houver pessoas que pensam que há raças superiores e inferiores. Não há superioridade nem inferioridade, devia haver igualdade, igualdade de oportunidades. Isto não acontece só em relação a raças, mesmo dentro da mesma raça há aqueles a quem lhe é proporcionada oportunidade de demonstrar as suas capacidades e há aqueles que nunca têm essa oportunidade. Neste mundo o que dá superioridade é a conta bancária e não há dúvidas nisto. Cada vez mais se nota estas diferenças. Não adianta haver dias de...o ano tem 365 ou 366 dias. As pessoas têm que ver nas outras "pessoas" e não rivais. Há uma competência diária e ganha sempre o dinheiro. Engraçado é que nem a morte faz repensar. Quando morre alguém ouço dizer: Não vale a pena andar com lutas, vamos todos para o mesmo sítio e quando menos contamos mas, esta maneira de pensar, só dura minutos. No dia seguinte lá vem ao de cima a prepotência, a maldade. Esquecem-se depressa que também vão morrer. Enfim...não há hipóteses, a inteligência é escassa e não se apreende nada com a experiência. É este o mundo em que vivemos e quem não é assim é posto de parte.´
Adorei o teu Preto e Branco e escrito por um negro devia ter muita mas força mas....Pode ser que sim que serva para abrir mentalidades.

meldevespas disse...

Gostei. Assim falado na primeira pessoa, seja qual for a tua cor ou credo é sempre mais vincado, mais forte. Esta coisa dos dias e das cotas a meu ver é uma afronta para os "premiados", senão vejamos também o caso das mulheres. O dia da Mulher...tb n há dia do homem! Então o que leva esta sociedade a inventar um dia da mulher senão apenas e só o puro acto de contricção depois de todas as afrontas passadas. O mesmo se passa com as cotas, nos governos , nas empresas, mas alguma vez na vida as mulher precisam de ser cotadas? O que pesa mais, um hoem , uma mulher, um negro um branco? Ao fim e ao cabo, o peso é o mesmo. Um dia destes um padre, já velhote, sendado a uma mesa, onde se falava da importância do dinheiro, dizia à laia de ironia " um amigo meu, morreu ontem, era riquissimo, tinha casas, herdades, carros, e foi generoso na hora da morte, pois é, não quis levar nada!"
Beijinho

Ricardo Valente disse...

Muito certo, exceto as cotas universitárias que sou contra: quem estuda, que passe! Embora, nesse país, a desigualdade social.
Abraço! (Ah! Coloquei lá... vá dar uma olhada!)

Luiz Carlos disse...

A minha intenção é criar a discussão, é mais importante que se discutam o racismo do que se discutam as cotas!
Até a pouco tempo, não era a favor das cotas, mas eu passei a acreditar de alguma forma porque comecei a ver pessoas que sem elas não teriam essa oportunidade.
Eu fiz vestibular para Direito e o fiz sem cotas, sempre tive uma ótima educação, tive oportunidades e teria a base suficiente para competir com milhares de estudantes que assim como eu tiveram oportunidades tambem, mas vejo pessoas talentosíssimas, geniais, que se não tivessem tido a oportunidade de estar numa universidade, competindo com pessoas com o mesmo grau de oportunidades que ela, não estariam numa universidade hoje.

Muito abrogado pelos comentários, a intenção é discutirmos esse assunto, pois senão ele passa despercebido e achamos que nada disso acontece.
abs

lis disse...

Acho importante que se discuta sobre o racismo e qe cada um pare e reflita, onde fica escondido nosso racismo,em que canto da nossa mente ou coração nós o guardamos?
Existe racismo contra os negros e também contra os brancos,isso sem citarmos os gays, os índios, os deficientes ,etc, vemos muitas falas como " aquela branquela, ou aquele branco azedo , e não é considerado preconceito racial e ninguem é punido .
Não será da mesma maneira constrangedor pra uma criança ouvir na escola sua neguinha ,ou sua branca azeda? precisamos ficar atentos pra nao considerar que só existe racismo velado contra os negros.
E quanto a data só a considero válida se for pra homenagear Zumbi que lutou pela raça negra.
Falo isso com consciencia de que não sou racista e que amo os negros e acho a raça belissima e certa que cada vez mais será prestigiada e honrada como todo o ser humano merece.
Todo projeto de inclusão social é válido , incluisive o das cotas.Se for pra ver mais negros na s faculdades, que venham mais cotas. Ponto.
Não sei se falei bobagens, desculpa aí. Abraços.

Luiz Carlos disse...

Bobagens que nada!!!
falou muito bem Lis.
estou guardando esse assunto do contra-racismo, o racismo contra os brancos para um segundo texto, mas concordo com você no ponto de que há racismo doss negros contra os brancos também.

brigado pelo comentário!!

Juliana Almirante disse...

Eu concordo com vc até nas vírgulas. Acho que seus argumentos foram muito bons. Tudo que foge do parâmetro branco, homem, rico, "culto", heterossexual (adiciona aqui outro "dominante" que eu tenha esquecido) vai sofrer preconceito porque este é uma forma de opressão. E é preciso ter muito cuidado quando somos nós que fazemos parte dessas "minorias" (que são menores não em quantidade, mas na parte do bolo que nos resta) para não nos tornarmos alienados dessa condição. Acredito que os equívocos que surgem por causa desse assunto é porque quando o debate começa, muita gente desvia o foco do assunto. Começa a apelar pelos "direitos humanos iguais da constituição" ou prefere não abrir os olhos para outras persperctivas.

Bom, falei demais, mas é isso aí.
Acho que vc tá no caminho certo, Direito é sua cara.
rs