Negra liberdade
Preta, pretinha, sai da bainha da nega fulo.
Dança sua dança, vira criança baiana nagô.
Caia na roda, a saia embola, o dia chegou,
Negra liberdade, festa na cidade, aqueça o bongô.
Luiz Américo
Preto no Branco:
Parecer de um negro sobre o mito do racismo
Para quem não me conhece, antes de qualquer coisa, irei me apresentar brevemente, de forma relevante para tal parecer: Me chamo Luiz Carlos, tenho 19 anos, sou negro, estudante de Direito, classe média e vítima do racismo.
Apresentar-me como vítima de racismo não é uma estratégia de convencimento emocional, daquelas bem baratas utilizadas em alguns textos dessa temática. Não pretendo despertar sentimentos em ninguém com tal texto, e também não ensejo justificar tudo aquilo que será dito ainda com tal status alcançado por mim, o de negro e vítima de racismo, apenas pretendo mostrar que já vivi aquilo que irei dizer.
O racismo tem sido mitificado ao longo das décadas, colocando-se para as crianças que o preconceito racial é algo claro, perceptível, desvelado, ultrajante. E quando o tempo vai passando e elas, na maioria das vezes, não se deparam com tal situação de desvelo, passam a acreditar que o racismo é realmente um mito, e que não existe na nossa sociedade, enquanto vão sofrendo discriminação velada sem nem se darem conta da situação.
E quando surge um projeto que afirma que ainda existe racismo escondido nas nossas estruturas sociais e precisa ser combatido com projetos de inclusão. A reação das pessoas criadas nesse mito é ver isso como uma forma de reviver o preconceito racial que para eles estava morto. E deixa de ser um projeto de inclusão para se transformar em um projeto de exclusão.
A comemoração do dia da consciência negra é por muitos considerada manifestação racista, pois atenta para a conscientização da diferença, criando-se um feriado para que o negro se conscientize, enquanto não existe um dia para que o branco se conscientize da sua posição na sociedade. Em relação ao dia do índio ninguém nunca se pronunciou, mas quando o negro se insere na situação o mito do racismo entra em cena e distorce a sua finalidade. Não existe um dia da consciência branca porque o branco não possui o mesmo status social que o negro possui, nem possui a mesma herança histórica de dominação que o negro possui, apesar de estar aparecendo uma espécie de contra-racismo, mas esse é tema para outro momento.
O sistema de cotas raciais é por muitos visto como racista e discriminatório, pois trata os estudantes com parâmetros diferentes para o ingresso, e acaba por destacar os alunos aprovados por cotas raciais, gerando divisão nas salas de aula. As cotas abrem uma porta para que aflore o racismo nas salas de aula, mas há a necessidade de nos confrontarmos com a realidade do nosso país, um país multi-étnico, com desigualdades sociais, e só assim esse panorama poderá ser mudado. Isso gera espanto, numa sala que antes possuía 50 brancos de classe média e alta passa a ter negros, pobres, índios e deficientes físicos. Isso é inclusão, isso é isonomia, isso é igualdade de oportunidades. Igualdade não é fornecer tratamento dentário gratuito para pessoas de baixa renda, mas quando se passa a existir dentistas que vieram de uma família de baixa renda.
É necessário admitir que o racismo existe, na maioria das vezes, não da forma como nos é pregado, mas de forma arraigada na sociedade. Que pela sua mitificação, transforma projetos de inclusão racial em projetos multiplicadores do racismo. E também é preciso que essa idéia do racismo descarado seja desfeita, para que as pessoas deixem de ser alienadas quanto ao racismo velado, que povoa as frases, as piadas, os filmes, as novelas, os estereótipos e é encarado como algo normal e puramente social.